Entrevista do Estadão com Gareth Jenkins: "Sociedade turca está profunda e perigosamente dividida"
  29.12.2015
Entrevista do Estadão com Gareth Jenkins: "Sociedade turca está profunda e perigosamente dividida"

Entrevista. Gareth Jenkins, veterano sobre política turca do Instituto de Políticas de Desenvolvimento e Segurança 
Para o especialista, Turquia nunca esteve tão polarizada como agora em relação a seu líder político

"Sociedade turca está profunda e perigosamente dividida"

Renata Tranches

Homem forte da Turquia e grande protagonista do noticiário sobre o Oriente Médio nos últimos meses, o presidente Recep Tayyip Erdogan fechou o cerco a críticos e buscou aprofundar o apoio entre seus simpatizantes após protestos contra seu governo, em 2013. Essa é análise do especialista Gareth Jenkins, veterano sobre política turca do Instituto de Políticas de Desenvolvimento e Segurança, em Istambul, sobre o atual momento de Erdogan, primeiro-ministro que se elegeu presidente. Em 2016, seu governo tentará aprovar uma reforma constitucional dando mais poder à presidência. Veja trechos da entrevista que Jenkins concedeu ao Estado.

Erdogan reverteu um momento de desvantagem política em 2013?

Antes de 2013, ele vinha tentando ampliar sua base de apoio na esperança de ganhar pelo menos 60% dos votos quando se candidatou como presidente, em agosto de 2014. Mas quando estouraram os protestos contra o governo, ele mudou a estratégia e começou a aprofundar o apoio que já tinha, colocando seus apoiadores contra seus oponentes. Para isso, argumentou que os acontecimentos eram parte de uma grande conspiração internacional liderada pelo Ocidente na tentativa de diminuir a Turquia e impedir o crescimento de sua liderança. Houve também um aumento significativo no número de prisões e indiciamento de seus críticos.

Como tem sido a reação ao cerco aos jornalistas?

Em meio a todas as acusações e as centenas de jornalistas forçados a deixar seus empregos em razão da pressão sobre os donos das empresas de comunicação, a maioria dos jornalistas tem se autocensurado. As notícias e informações passam por um filtro pró-Erdogan antes de alcançar o público. Erdogan também continua a colocar oponentes e apoiadores como agentes de poderes estrangeiros conspirando contra a Turquia e, claro, ordenando a prisão de empresários e acadêmicos que não o apoiam. As pessoas também têm sido presas por criticá-lo durante conversas com os amigos. Tudo isso não é sinal de força, mas de fraqueza e medo.

Qual é a percepção da população com relação a Erdogan?

A sociedade turca está profunda e perigosamente dividida. Em todos os anos que tenho vivido na Turquia, nunca a vi tão polarizada. Os partidários de Erdogan o adoram e acreditam em todas as teorias sobre como o Ocidente e o lobby judeu nos EUA estão tentando impedi-lo de transformar a Turquia em uma grande potência. Por outro lado, Erdogan é detestado como nenhum político na história da Turquia moderna. Muitos de seus opositores, particularmente os de esquerda e os curdos mencionam a rapidez com que as forças de segurança prendem qualquer crítico, mas parecem se esforçar pouco para identificar e deter suicidas, que promovem ataques como os que mataram 140 opositores do governo em Diyarbakir, Suruc e Ancara em 2015. Muitos acreditam que Erdogan não está apenas tirando sua liberdade, mas também suas vidas.

As denúncias de corrupção e a subsequente reação do governo foram um momento de virada para Erdogan?

O que temos visto agora, em termos de autoritarismo e intolerância, está aí há muito tempo. Após o AKP (Partido da Justiça e Desenvolvimento, de Erdogan) chegar ao poder pela primeira vez, em novembro de 2002, as pessoas começaram a falar que Erdogan tinha mudado e internalizado valores plurais e democráticos. Argumentei na época que o verdadeiro teste não era quando ele assumisse o cargo, mas quando ele finalmente sentisse que estava no poder.

Fonte: http://internacional.estadao.com.br/