Silêncio da UE sobre Turquia vai contra seus valores, diz jornalista
  15.03.2016
Silêncio da UE sobre Turquia vai contra seus valores, diz jornalista

Imagem da detenção do Hidayet Karaca

Folha de São Paulo
PATRÍCIA CAMPOS MELLO 
ENVIADA ESPECIAL A ISTAMBUL 
15/03/2016 02h00

O silêncio da União Europeia em relação aos abusos do governo da Turquia contra liberdade de imprensa se opõe aos valores fundamentais da criação do bloco.

Esse é o protesto de Hidayet Karaca, 52, diretor-executivo da TV turca Samanyolu, uma das maiores do país. Ele está preso há um ano e três meses, acusado de fazer parte de uma "organização terrorista que tenta derrubar a ordem constitucional".

O motivo da prisão foi uma novela veiculada cinco anos antes. Em um dos capítulos, uma organização islâmica aliada do presidente Recep Tayyip Erdogan era retratada como facção terrorista.

O Comitê de Proteção de Jornalistas chamou a prisão de "vingança política". A Human Rights Watch afirmou que o governo turco está "deixando jornalistas presos sob acusações dúbias de terrorismo, sem justificativas claras".

Karaca respondeu às perguntas enviadas pela Folha e entregues por seu advogado, Fikret Duran. Ele escreveu as respostas à mão, de dentro da prisão de segurança máxima Silivri, onde há outros jornalistas presos.

A TV Samanyolu é ligada ao líder religioso Fetthulah Gülen, acusado por Erdogan de estabelecer um "governo paralelo" no país através de seus seguidores na polícia e no Judiciário. Gülen nega qualquer intenção de derrubar o governo turco.

Folha - Há 32 jornalistas atualmente na prisão na Turquia e o país é o 154º no ranking de liberdade de imprensa dos Repórteres sem Fronteiras. O que está acontecendo?

Hidayet Karaca - Em dezembro de 2013, ocorreram operações contra corrupção que envolviam quatro ministros e seus filhos.

Depois disso, o AKP [partido do presidente Erdogan] aumentou a pressão sobre a imprensa crítica. Gravações revelaram também que o AKP dominava uma boa parte da mídia com dinheiro das licitações de grandes obras.

O governo nomeou interventores para administrar as empresas da mídia independente. Prendeu os dirigentes que não lhe obedeciam cegamente, e eu sou um deles.

O grupo Ipek, com dois jornais e dois canais de TV, foi tomado pelo governo e depois faliu. Recentemente, o maior jornal turco, "Zaman", foi tomado pelo governo.

Por todas essas razões, infelizmente, a liberdade de imprensa na Turquia está numa situação complicada. Há uma "caça às bruxas" contra todos que criticam o governo.

Como é sua vida na prisão?

Aqui na prisão, eu leio os jornais logo após o café da manhã. Reservo algumas horas para ler e cumprir minhas obrigações religiosas. Gasto um tempo para fazer minhas anotações e trabalhar sobre meu processo judicial.

A Justiça cita um capítulo de uma novela da TV Samanyolu como razão para sua prisão...

Para entender melhor minha prisão, devem ser consideradas as operações de 2013. O governo afirmou que essas operações foram uma "tentativa de golpe". O objetivo era criar um inimigo interno e tentar, de todas as formas possíveis, se livrar das acusações legais contra eles.

O grupo que eu dirigia fazia cobertura completa dessas operações. Como consequência, começou a sofrer perseguição. E uma novela do grupo foi apresentada como a razão para me prender.

Na acusação, dizem que, naquela novela, que é ficção, a fala de um ator era uma mensagem para a polícia. E que, a partir dessa mensagem, houve uma operação contra um grupo islâmico.

O senhor acha que a União Europeia deveria condenar de forma mais veemente as prisões de jornalistas e fechamento de jornais na Turquia?

A falta de posicionamento mais enérgico da UE vai contra os valores fundamentais da sua criação. Por causa da candidatura da Turquia a se integrar à UE, as cobranças deveriam ser mais rigorosas.

Can Dündar, editor-chefe do jornal "Cumhuriyet", foi acusado de espionagem e condenado a prisão perpétua e mais 30 anos. Ele foi libertado por uma decisão da Suprema Corte. Erdogan declarou que não vai respeitar a decisão e os jornalistas serão julgados novamente, e podem ser presos. Como o senhor vê isso?

A posição do presidente é anticonstitucional e está errada, e mostra que os problemas na Turquia vão continuar.

Fonte: folha.uol.com.br/mundo/