Política agressiva de Erdogan (artigo publicado no Jornal Gazeta do Povo)
 
Política agressiva de Erdogan (artigo publicado no Jornal Gazeta do Povo)

“O que está acontecendo na Turquia, estava indo tão bem, vinha sendo um exemplo de democracia naquela região lembrada pelos conflitos?”, é o que muitos amigos brasileiros me perguntam.

Tentar explicar a mudança de rumo da Turquia, das reformas para alcançar à democracia da União Europeia ao velho sistema autoritário (mas desta vez civil, não militar) e a mudança de postura do governo turco nos últimos anos é algo extremamente triste para um turco e difícil num espaço curto como este.

O primeiro-ministro Erdogan começou a seguir uma política agressiva por duas razões: primeira, a revelação de grandes esquemas de corrupção que envolve seus ministros, sua família e seus aliados, todas comprovadas com escutas telefônicas da polícia. A segunda, a ambição para ganhar as três eleições neste ano: municipal (ocorreu em 30 de março), presidencial (em 10 de agosto) e geral. A estratégia dele favorece, social e financeiramente, os apoiadores e intimida os opositores, usando recursos públicos que estão à sua disposição. A mídia que não o apoia não recebe nenhum anúncio do Estado, além de ser perseguida; as empresas que não apoiam o governo abertamente não têm chance de ficar com licitações publicas, além de receber fiscais com frequência.

O exemplo da mina em Soma: o dono da mina é um grande apoiador de Erdogan, e consequentemente vem “ganhando” licitação de grandes obras públicas. Em contrapartida, ele dá parte do carvão retirado da mina ao AKP (o partido de Erdogan) para distribuir na véspera das eleições à população pobre. Por causa dessa relação, o acidente que matou 301 trabalhadores naquela mina, não foi investigado profundamente.

Erdogan criou conceitos para justificar sua agressividade: “os inimigos externos” usam “os peões internos” para derrubá-lo. Na visita ao local do acidente de mina, Erdogan deu um soco num cidadão que perdeu seus parentes na tragédia e estava criticando o Governo, e depois ele justificou esse soco chamando o cidadão de “o peão de Israel na Turquia”.

Erdogan, consegue alterar ou criar leis por ter maioria no Parlamento e adapta o país ao seu jeito de governar. A “nova Turquia” de Erdogan é do tipo one-man democracy (“democracia de um homem só”), a famosa expressão irônica. A última grande mudança feita pelo Governo turco foi a lei da inteligência nacional (MIT). Com isso, qualquer um pode ser perseguido, escutado, sem ter denúncia alguma. Erdogan já vem fazendo isso, culpando o Hizmet, o movimento apolítico que mantém atividades sociais e educacionais tanto na Turquia quanto em mais de 150 países no mundo, inclusive no Brasil, sem sequer ter uma prova.

É muito irônico AKP ter surgido apresentando-se com compromissos para fim do autoritarismo militar e estabelecer a justiça, trazendo esse lema no nome: AKP-Partido de Desenvolvimento de Justiça. Parecia que realmente estava extinguindo o autoritarismo, mas ficou claro que está mudando do jeito de autoritarismo, de militar para civil.

Receio que a tensão na Turquia por causa da polarização do povo com o jeito agressivo de Erdogan se transforme num conflito social maior do que foi experimentado no acidente de mina em Soma. O momento que os governantes deveriam mostrar compaixão para os parentes dos 301 falecidos, mostraram socos.

 

Link para artigo no site do jornal Gazeta do Povo:

http://www.gazetadopovo.com.br/mundo/conteudo.phtml?tl=1&id=1476373&tit=A-politica-agressiva-de-Erdogan